sexta-feira, 14 de junho de 2013

Dormir.

Essa é você. A cada música triste da Azure Ray. É você, sim. Enchendo os espaços com dias, elas dizem. É. Não consegue dormir porque está ansiosa. E quase gosta de estar ansiosa. É. Azure Ray. Lembre-se de falar sobre elas. É, é você. É você tentando se preocupar com o que a sociedade vai pensar. É você tendo noção de que a sociedade nem vai se dar conta de nada disso, e se desse também, não seria da conta dela. É você encontrando com ela e sorrindo e ficando feliz. É você se fazendo de vítima. É você vitimizando. É você se sentindo culpada pela primeira vez na vida, de verdade. É você escutando Little Big Town e esperando que a música fique ao seu lado. É você se divertindo dentro do ônibus. É você sonhando com Teresópolis e suas magias subjetivas. É você esperando que a mágica seja verdade. É você desejando que tudo seja verdade. É você ficando feliz com coisas tão pequenininhas. É você sempre esperando o pior das coisas. É você estando sempre preparada para o pior. Mas é você também desejando o melhor de todo o coração. É você esperando a message that comes to shift my point of view. É você sentindo pena da moça que canta Sleep. É você querendo sentir pena de si mesma com alguma razão. É você querendo se encaixar no papel de vencedora. É você esperando que, dessa vez, dure. É você esperando que dessa vez. É você correndo atrás dos sonhos. É você reconhecendo suas vitórias. É você menosprezando-as. É você se perguntando se você é real. É você querendo saber se Deus existe. É você querendo ir pra Nosso Lar depois que morrer. É você se apaixonando pelo professor de Introdução à Política. É você desejando ser mulher. No sentido amplo da palavra. É você desejando nunca perder o papai. É você nem sonhando em perder a mamãe. É você nunca envelhecendo. É você. É você escrevendo depois de tanto tempo sobre você. É você. É você.
É você sendo você.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Fallen



Sarah Mclachlan

Heaven bent to take my hand
And lead me through the fire
Be the long awaited answer
To a long and painful fight

Truth be told I've tried my best
But somewhere along the way
I got caught up in all there was to offer
And the cost was so much more than I could bear

Though I've tried, I've fallen...
I have sunk so low
I have messed up
Better I should know
So don't come round here
And tell me I told you so...

We all begin with good intent
Love was raw and young
We believed that we could change ourselves
THe past could be undone
But we carry on our backs the burden
Time always reveals
The lonely light of morning
The wound that would not heal
It's the bitter taste of losing everything
That I have held so dear.

I've fallen...
I have sunk so low
I have messed up
Better I should know
So don't come round here
And tell me I told you so...

Heaven bent to take my hand
Nowhere left to turn
I'm lost to those I thought were friends
To everyone I know
Oh they turned their heads embarassed
Pretend that they don't see
But it's one missed step
You'll slip before you know it
And there doesn't seem a way to be redeemed

Though I've tried, I've fallen...
I have sunk so low
I have messed up
Better I should know
So don't come round here
And tell me I told you so...

Maria, Alimentada.


Ela a via caminhando. Assim, solitariamente, pelo meio dos galhos frios e esquecidos da noite anterior. As sobrancelhas arqueadas pendiam sobre os olhos vazios, perdidos, assustados. O vestido se arrastava na neve, molhava-se, adoentava-se.

Maria seguia aquela maravilhosa criatura eternamente estagnada no tempo. Quando a sua dama parava, ela também o fazia. Mas jamais se aproximava. Esperava, observando-a pelas costas, que ela olhasse para trás. Maria não tinha coragem de pôr a mão trêmula em seu ombro, dizer ‘olá’, encantar-se; olhar nos olhos assustados, sem ofender-se, sem ofendê-la.

A senhorita estendeu a mão e a apoiou em uma maçaneta camuflada na neve. Maria surpreendeu-se. Como não havia notado aquela cabana bem ali em sua frente? A dama solta um leve suspiro e finalmente apercebe-se da presença de Maria. Os cabelos, chorosos pelas costas, caem-lhe pela frente do peito com o movimento lívido de sua cabeça. Maria dá passos para trás. Maria dá vários passos para o meio da escuridão das árvores. Da floresta fria e escondedora.
E se as lágrimas não congelassem, ela choraria, de fato. Choraria a covardia e o arrependimento, a falta de coragem para realizar qualquer ato improvável.
Como um gesto de desapontamento, a dama ergue o capuz preso ao vestido sobre sua cabeça e continua seu caminho. Lentamente adentrando a cabana, encostando a porta de vagar; esperando, até que a nevasca se dissipe, que Maria encontre forças para segui-la.

E talvez... Talvez a estrada possa se abrir para aquela pobre aluna desinformada e persistente no erro, para o aprendizado e o perdão.


Maria, alimentada.

Para Jana

Maria, Livre.


“Os campos verdes, meu amor... Eu juro que eles aguardam por você.”
Ela resolveu sair por aí com um violão nas costas só para fazer tipo, porque na verdade, ela não sabe tocar violão. Ela sempre sonhou em ter uma velha caminhonete vermelha com espaço para dois. Assim, só pra viajar sem rumo completamente sozinha. Talvez com um cachorro. No máximo.
Andou, pegou um ônibus. Fazia um dia lindo, e há muito tempo que não fazia um dia bonito. O ônibus ia para a região dos lagos. Mas não era para lá que ela estava planejando ir, se estava planejando qualquer coisa. Maria se tornara uma desocupada temporariamente. Indo de lugar pra lugar até se encontrar nesse mundo outra vez. O aluguel estava atrasado e não demoraria muito para que a pusessem para fora.
Aquelas pessoas que lotavam o ônibus eram todas muito engraçadas. Falavam sem parar e nunca diziam nada que verdadeiramente interessasse ou fosse inédito. No walkmen velho (aquele, lembra?), ela ouvia Nick Cave, as poucas músicas mais tranqüilas do Little Big Town... Purificava a sua alma com aquelas canções simples. O country, o verde dos campos. Era isso que ela estava procurando.
Como tudo na vida de Maria, de repente – e é sempre ‘de repente’ – ela se viu passando por uma cidadezinha dessas bem interioranas, sem nome mesmo, entre um endereço importante e outro. Pediu para o motorista parar o ônibus. Ela desceu. E lá estava.
Os campos. Eles estavam lá também. As vacas, os vira-latas... Um monte de caminhonetes vermelhas. Velhas, é claro. Mas você lá consegue imaginar uma que seja nova?
Casas pingadas, uma ali, outra acolá. E estava ótimo.
Maria largou o violão num canto e começou a correr, pular, rir. Rir. E já fazia tanto tempo que ela não sabia o que era rir de felicidade. Liberdade. Felicidade de liberdade. Sim, é a mais doce, pura e simples liberdade.
A vida é um enorme filme com trilha sonora. Keep the music playing.


“It’s all about the Climb.”

And That's Nice.


E ela deixou a praia. Era sempre assim: Tinha fim. Não que fosse tão incrível quanto parece, mas o fato era que ela simplesmente podia fingir ser outra pessoa quando estava por lá. As sandálias machucavam seus pés, porque eram muito baratas. Correu para pegar o metrô, assim, sem olhar para trás, como quem deixa um parente de muito tempo. Aquele lugar estava cheio demais, tão cheio que nem as esteiras tinham graça. Resolveu andar com suas próprias pernas, afinal. Ficava atrasada com relação às outras pessoas, mas ela sempre teve esse dom de ver uma cômica beleza nessa melancolia irônica.

Graças a Deus, tinha dinheiro para não esperar na fila e simplesmente comprar um cartão pré-pago. Não demorou nada. E, engraçado, naquele momento, ela realmente se sentiu sortuda. É realmente irritante pensar em como, por tão poucos segundos, podemos nos sentir escolhidos para dádivas. Mesmo que elas não sejam nada. Entrou no metrô e ficou em pé. Depois percebeu que havia um lugar vago. Sorte mais uma vez. Sentou-se e olhou para baixo. Prestou atenção em suas mãos. O esmalte se chamava Quinta Avenida. Tão irônico mesmo. Estava descascando, ficando horrível. E de repente ela se sentiu como uma dançarina de cabaré que fica velha demais para os holofotes mais brilhantes e precisa largá-los. Os esmaltes que descascam, as meias que rasgam que nem guardanapo, a raiz do cabelo aparecendo, revelando o loiro falso. Não que convencesse a alguém antes. Uma dançarina de cabaré, é. Essa era exatamente a imagem que ela estava procurando. Sentia-se esgotada para os palcos iluminados, bonitos... Simplesmente eram demais para ela.

Meu Deus, mais sete estações ainda. Ela nunca vai chegar em casa. E o pior é que não vai mesmo. Nem daqui a três estações. Nem duas. Nem uma. Nunca. O palco está cheio de buracos. A meia já é quase pano de chão. O cabaré está fechado e há pichações em sua porta. Lá fora, um frio desgraçado. E ela, com as pernas de fora, sente esse frio cortar a sua alma. O olhar vazio. A luz do metrô desfavorece. Essa vida tem sido fria demais, ela acha.

“Life is not like Gloomy Sunday, with a second ending when the people are disturbed. Well they should be disturbed, because there’s always a lesson to be learned.”

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Respeite


Eu vou respeitar o silêncio. Eu não vou cobrar lágrimas e uma curvatura inferior dos seus lábios. Eu sei, eu não consigo realmente ver, mas eu sei... De verdade, eu sei que lágrimas não significam nada.
Eu vou respeitar o seu silêncio e a sua busca por paz no esforço. Eu quero estar perto de você para te abraçar no seu momento de dor, mas eu não vou interferir nela. Vou deixá-lo para que se lembre de tudo, e acredite, entendo que pensar só nas boas recordações não vai fazê-lo feliz.
Elas podem até fazê-lo compreender algumas coisas, deixá-lo em transe por alguns momentos, mas não vai ampliar a sua esperança. Acredite que ainda há alguma coisa. Há sempre uma saída.
Não são frases feitas afinal, uma vez que já foram provadas. Esteja pronto para abrir suas próprias portas, mais tardar suas janelas, mas o faça.
O chão é frio, o vento também.
A chuva é ácida... Mas ainda podemos nos esconder embaixo da marquise. Nem sempre ela despencará sobre nossas cabeças.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O trabalho de Maria


Aquele hospital era terminal. Os políticos julgavam todo ano a sua importância e a sua permanência na história. Aquele hospital era uma caridade e nada mais. Um hospital que só acolhia aqueles cujo destino já estava selado e finito. Aqueles empregados eram todos inúteis, pois de nada serviam, obviamente; os médicos, as enfermeiras, as faxineiras... Todas de nada serviam.
Ela veio andando com uma roupa branca e engomada. A única que ela tinha em bom estado, apesar do encardido eminente. O chapéu tradicional e os sapatos brancos baratos, comprados em uma dessas sapatarias populares. Ela sempre chegava sorrindo. Ela se deparava com a morte dia após dia. Ela via aqueles embrulhos pretos que as famílias ainda chamam de “humanos”. Ela não estava nem um pouco assustada. A única coisa que a fazia perder o chão era o salário de fome pago às enfermeiras daquele hospital oscilante e decadente.
“Bons dias” eram espalhados sorridentes pelos funcionários e pacientes. Até mesmo aqueles que claramente não poderiam ouvi-los. Ela ia entrando quarto por quarto procurando pelo paciente do dia. Aquele que precisaria de conforto na hora da partida:
“Bom dia, meu senhor”
“Bom dia. Será que vai ser hoje?”
“Não tenho como saber. Mas não conte as horas, apenas viva... Meu senhor.”
Ela ouvia isso quase o dia todo, todos os dias. Aquele sorriso de porcelana era fixo e inabalável. Uma casa funerária convenientemente criada ao lado do hospital era um verdadeiro poço de amargura. Era possível ouvir os gritos e choros histéricos, desesperados dos parentes e amigos do falecido. Aquele som gutural, que apenas a dor da morte pode implantar até nas almas mais felizes, lembrava a ela que a vida lá fora aguarda pelo fim. O relógio correu e fez o dia acabar. Ela chegava a casa e dormia, dormia sem pesadelos para encarar um dia bem parecido algumas boas oito horas depois.
No dia seguinte, ela chegou ao hospital com várias flores. De rosas a matinhos de jardim, com lagartas e borboletas presas às folhas que caiam loucamente pelo chão do hospital. Ela estava tão empolgada que sentia o sorriso se repuxando cada vez mais. Cada vez mais. Ela não entrou quarto por quarto, apenas deixou uma flor na cama de cada paciente e quando todos – ou quase todos –estavam cientes dos presentes, ela se infiltrou na sala de som, pegou o microfone e, decidida, e disse:
“Meus senhores, hoje mais um dia vocês vêem a morte de seus vizinhos de quarto ou conhecidos. Hoje vocês sentem o calor do sol em sua pele, mas até quando? Estamos lidando com a angústia do dia de amanhã, mas por que estamos tão presos a essas camisas de força ou a essas camas tão brancas e frias? Por quê? Por que vocês têm mais chance de morrer do que qualquer outro na cidade que periga lá fora? A morte não começa na cama do hospital, senhores pacientes, a morte começa dentro de suas almas. As flores são os seus espíritos e a sua essência. Elas já devem estar murchas agora, mas vocês ainda podem deixar que a chuva ou o calor façam-na reviver. Podem deixar que ela se torne mais uma secura em suas tão tristes vidas ou podem fazer a cor voltar aos seus olhos. Senhores...”
Nesse momento ela foi cortada pelo gerente do hospital que vinha enfurecido. Ela havia trancado a sala e falado todas essas coisas loucas aos pacientes que devem aguardar serenamente pela morte. Ela estava fazendo tudo errado!
“O que você pensa que está fazendo!?”
“Hum-hum-hum-hum-hum” Ela estava cantarolando baixinho My Fair Lady.
Isn’t it lovely?
“Está louca!” “O trabalho deve ter afetado a sua mente…”
Antes que ele pudesse continuar com as ofensas, ela levantou a cabeça devagar, e quando viu que o gerente havia parado de falar, ela sorriu e disse:
“O senhor já assistiu à Tempos Modernos? Aquele, do Chaplin.”
“O quê?”
“O senhor sabe, aquela cena quando o Carlitos pega a chave de fenda e começa a apertar os parafusos sem parar? Quando ele não consegue deixar de trabalhar?”
O gerente estava intrigado.
“Eu não quero ficar assim. Não quero que ninguém viva para apertar parafusos, senhor. Nem você”
Ela tirou o chapéu e o jogou aos pés do patrão.
“Tome a chave de fenda.”
E assim, ela andou até a saída do hospital, seguindo as folhas que tinham caído durante a sua chegada. Quando o caminho ficava mais estreito e conturbado, ela se lembrava dos motivos pelos quais ela havia acabado de deixar o emprego e seguiu até em casa. Ela não sabia que o ônibus ficava vazio àquela hora.
Os dias foram mais e mais difíceis. Um dia, dois dias sem emprego. Mas o orgulho não lhe havia sido ferido.
A campainha tocou.
Um entregador.
Um buquê de flores.